terça-feira, 13 de setembro de 2016

A culpa não é do futebol!


As violentas imagens distribuídas nas redes sociais e em grupos de troca de mensagens, mostrando o espancamento (pra ser generoso no termo) de um “torcedor”, foram chocantes, mas estão enraizadas em todo país, não só em Pernambuco. O que há de comum em todos os lugares é que tudo isso ocorre com o consentimento do poder público, mas não só dele. Isso acontece há muito tempo, um erro crasso que não foi corrigido no passado. Entram e saem autoridades e nada é feito de concreto para que fatos como esse não ocorram e isso segue minimizado pelo desconhecimento da realidade. Vincular a violência gratuita que os “torcedores organizados” espalham país afora com o futebol é uma grave distorção. Esse erro é repetido pelo Estado, durante muitos anos pelos clubes e em algumas vezes pela imprensa.

Particularmente, não reconheço essas pessoas como torcedores de futebol, visto que eles se igualariam a mim e a outras pessoas que são apaixonadas pelo clube de coração e que vão ao estádio única e exclusivamente em busca de emoção. Aliás, acho que eles nem sabem o que é futebol, muito menos quem é o artilheiro da equipe, o jogador com mais partidas com a camisa do clube ou o adversário da partida seguinte.

Esse assunto sequer deveria estar aqui (ou em qualquer página esportiva), eu deveria escrever sobre FUTEBOL, só e somente só. Inclusive sobre o jogão que Recife presenciou (Sport 5 x 3 Santa Cruz), mas que foi ofuscado pela violência desde cedo nas ruas da capital pernambucana. Não era pra você estar lendo isso, porém pela repetição dos acontecimentos o posicionamento é necessário e obrigatório. Preciso escrever sobre isso! Mais uma vez! O que aconteceu no último Domingo não é algo novo, espancamento de “torcedores organizados” por “torcedores organizados” é algo absolutamente comum na cultura da barbárie estabelecida por esses grupos há muito tempo. É absurdo, chocante e desumano, mas não surpreende. A verdade é que, as imagens que vimos chocam aqueles que não integram esse contexto, onde há um inversão de papéis entre vítima e agressor.

Domingo, pelos boatos espalhados na internet e depois confirmado oficialmente, o espancado era o presidente da Inferno Coral, a maior “torcida organizada” do Santa Cruz. Ontem soube-se que um possível membro da Torcida Jovem, uma “organizada” do Sport Recife, com o símbolo da mesma tatuada no peito, teve os olhos arrancados por golpes de faca. Revide ou casualidade? Impossível atrelar uma coisa a outra? Entendo eu que esses fatos estão direta ou indiretamente ligados ao contexto que rege esses grupos e ainda assim eles fazem o possível para negá-los ou minimizá-los. O Governo é um dos principais culpados por essa situação, por vários motivos, entre eles: sempre ter tratado o caso de forma superficial, não ter controlado os fatos com mais veemência e nunca ter buscado as verdadeiras raízes desses ocorridos.


O que fazer?

Admitir o quanto isso é preocupante e grave não é tardio, mas o principal era tratar como prioridade, uma estratégia de segurança pública para coibir e acabar com esses casos e isso seria apenas o ponto de partida. Sinceramente, sabemos que isso não vai acontecer nesse século. O que sempre ocorre no dia seguinte aos fatos ocorridos são as mesmas ações paliativas, superficiais e inócuas. Desde que comecei a ver essas cenas, pela TV e ao vivo, do que esses “torcedores organizados” são capazes de fazer e a cada novo ocorrido, sinto que já se perdeu o controle sobre isso há muito tempo, pior, o controle por parte do Poder Público não vai ocorrer. As privadas arremessadas das arquibancadas do Arruda, foi mais um fato chocante que ocorreu, mas ficou no esquecimento, será necessário algo pior para que as “autoridades” despertem e façam algo. Chego a acreditar que a vontade do Poder Público é que esses grupos se digladiem cada vez mais e que se matem por vontade própria. Tento sinceramente entender e não consigo, porque proibir que um bumbo entre no estádio, mas o cara que toca ele e que briga dentro do estádio, não fica proibido de entrar. Proibir que a bandeira entre no estádio, mas o cara que usa o pau da bandeira pra atacar o outro entre normalmente no estádio. Pior, proibir a entrada dos “organizados” com camisas que os identifiquem, mas não proíbe o cara que briga descaradamente na frente das câmeras, de entrar no estádio. Não consigo entender, será que meu QI é tão baixo assim?

Não acredito que chegaremos no nível britânico, quando o Estado com a então Primeira Ministra Margareth Tacher, interviu na violência que os hoolingans espalhavam nos estádio ingleses nos anos 80/90. São realidades totalmente diferentes, mas enquanto não houver uma dura intervenção, nada mudará.

O fato é que, para uma possível mudança dessas situações, é preciso a total desvinculação desses grupos com o futebol e a proibição dos mesmos frequentarem os estádios com seus símbolos, cânticos, etc. Tolerância zero a todos eles, impedir a presença física dos mesmos é parte fundamental do processo para que não se multipliquem cada vez mais. O que eles fazem nas arquibancadas funciona como isca para atrair mais adolescentes em condições de vulnerabilidade social. E mais, tirá-los do estádio significa diminuir o vínculo deles com o futebol.

E os clubes?

Para que essa vinculação diminua, cabe também a cada clube fazer a sua parte. 

O Sport serve como referência, a partir do momento que seu presidente assumiu a corajosa postura de distanciar ao máximo do clube a principal “torcida organizada”. Conseguiu avanços, porem eles seriam maiores se o Estado fizesse sua parte. 
O Náutico, outra equipe pernambucana conseguiu diminuir a relação com a principal “organizada” do clube, ainda que não tenha sido o total rompimento, a imprensa comenta que essa relação foi bastante abalada. 
No Santa Cruz, parece que isso está longe de ocorrer, principalmente quando se vê os representantes (presidente, vice, diretores) assistindo aos jogos nas arquibancadas do Arruda a poucos metros da maior “organizada” do clube, inclusive, fizeram isso no Domingo na Ilha, depois dos atos ocorridos mais cedo. É uma cena que, eu particularmente, considero errada pra não ser mais desrespeitoso a eles. Por todos prejuízos financeiros (depredação do patrimônio ao retirar as privadas e joga-las), técnicos e morais que a “organizada” causa, a Direção assistir jogos ao lado desse pessoal é manchar a imagem de quem está a frente do clube e do próprio clube.

O que os clubes fazem de fato? Nada! Transferem a responsabilidade dos crimes cometidos por esse pessoal para o Estado, ou seja, lavam as mãos. 

O que o Estado faz de fato? Nada! Também não faz a sua parte e o ciclo de violência continua pior, se multiplica cada vez mais, aumentando os níveis de crueldade.


A única coisa certa nisso tudo é que a culpa não é do futebol!


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